9.11.07

chijimi I

…o aroma de amêndoa, passado que continua a regressar. O poema, como o chijimi, cântigo inicial tecido por mãos frágeis. O poema, caminho para destinos diversos, janela aberta sobre os lugares do mundo, espécie de memória guardiã de uma secreta eternidade. Saskia, os olhos a doerem-lhe de tanto percorrerem as palavras no sentido inverso do tempo, interrogação pousada no espaço desmaiado das folhas: o livro de Ale Laisuma e Sorrow tecendo memórias de Saskia. Outrora, uma outra Saskia, desfazendo na neve os passos magoados das planícies em sangue. É na neve que o fio é fiado e na neve, que ele se vai tecendo. É a neve que lava e branqueia o tecido. Todo o fabrico começa e acaba na neve.
“ A minha vida debruçara-se longamente na alegria breve dos dias e eles roubaram-me a ternura. Hoje, a saudade aquieta-se nas sombras e já não sei se é saudade ou letargia. Ouço uma vertiginosa canção e penso que é o mar, a maré dançando na orla dos rochedos. Dizem que o mar devolve tudo o que leva, mas paira nos meus olhos o desespero de naufrágos. O teu rosto, Sorrow, o teu rosto está sempre entre os navios que partem.”
E no entanto, todo o amor da mulher da Terra de Neve se desvaneceria com ela, não deixando neste mundo um sinal tão seguro como um tecido de chijimi…assim pensava Shimamura, meditando distraidamente na inconstância das intimidades entre os humanos, a sua efémera duração, que nem mesmo conhecia o tempo de existência de um bocado de tecido
Então é isso, paga-se sempre um preço. Por acreditarmos. A dualidade dos afectos, a efemeridade dos afectos. Assustava-a descobrir essa consciência. Dentro do quarto, no espaço tépido da melancolia…



yasunari kawabata, Terras de Neve (excertos a itálico)

foto de akif hakan celebi


Sem comentários: