27.2.07

butterflies & hurricanes II

butterflies & hurricanes

Ana Sophia Pereira

(dos Cadernos de Sorrow)


(...)

Saskia partia e eu do outro lado do mundo a sabê-la longe, muito longe. Ou talvez para sempre longe. Saskia vinha de encontro à língua, e eu a dizê-la em línguas que o corpo desconhecia. E o amor então nas mãos, o amor então nas mãos: Saskia partia e eu do outro lado do mundo, na hoste de Gonçalo Mendes da Maia, meu Lidador, a reconstruir em cada golpe as magias de seu corpo, na curvatura de cada mouro o desenho de seu corpo. Saskia partia e eu regressando a Beja, o meu Lidador morto, e eu a dizer a meus poucos companheiros, de tão brutal combate travado: Saskia parte e eu aqui, do outro lado do mundo, sabendo-la longe, tão longe.

(...)

25.2.07

veneza - san giorgio maggiore

william turner


em voz doce dizia-lhe do fascínio da laguna as cores na direcção do olhar ou da solidão dos invernos, não sabia bem. escrevia 'todo o meu sentir é esta luz'. escrevia, pausadamente, sorriso escondido nas pálpebras. Saskia sabia. Sorrow chegaria ao amanhecer à hora em que se morre no tempo perfeito. Saskia sabia, a essa hora ela já teria partido.

17.2.07

les amants

Pablo Picasso


Saskia e Sorrow, vida fora nesse litoral resíduo da canção, do lado onde os corpos se dançam, se dizem de um nome, se oferecem. E a canção, sempre a canção, como se nada mais os soubesse. Nem mesmo o mundo, o inteiro mundo que ambos aprendiam desde esse primeiro dia em que nos olhos de um os do outro.

14.2.07

a dança II



Sorrow sabia que nenhum outro corpo que não o seu podia aquela tela trazer-lhe diante dos olhos. Ali estivera um dia Saskia, naquela mesma posição, hirta mas balanceada como quem sabe que só amparando a mão na mão amante se pode dar às entregas e por fim sossegar o corpo. Ali estivera, num dia muito antigo, muito distante; ali estivera naquela mesma tarde, a seu lado, sem que o soubessem ambos. Saskia fechava-se-lhe nos olhos e Sorrow voltava a casa, recolhendo da imagem habitada o alimento da sua paixão.

13.2.07

a dança


Saskia saboreava a trégua, o corpo na curvatura do traço, os passos amarrotados. Sentia a levíssima melancolia do outro lado da tela como se a dança, gritada no silêncio, lhe trouxesse o nome de Sorrow. Olhos semi-cerrados, reinventava imagens nas mãos nuas, reinventava-as até lhe sangrarem os dedos. E no interior das imagens, a música - antiquíssima melodia - na leveza dos gestos: don’t fool yourself / life is too good to last. Só assim, perdurava em Saskia, o perfil ausente de Sorrow.



foto de katia chausheva

12.2.07













sandro botticelli


today is the first day of my life