26.3.07

Erase all the memories


Kasimir Malevitch



Saskia partira sabendo Sorrow desabitando a visão da charneca sangrenta. Caminhava para norte – o voo de aves azulíneas dissera-lhe da cidade branca onde começavam os grandes frios, onde espadas feitas neve apaziguavam a mancha vermelha das casas – nos olhos guardara as margens amanhecidas de flores lilases colhidas em tempo longo, flores raras nas mãos de Sorrow. Foi tempo de morrer, dissera-lhe o último companheiro de Sorrow e Saskia partira, na memória sons incendiados do tropel de cavalos rasgando o horizonte.
Lembrava-se bem desse tempo. caminhara como se os passos conseguissem habitar a ausência mas todos os caminhos se fechavam nesse frio imenso onde repousara a inocência. Sabia que não poderia regressar ainda que os ventos lhe trouxessem rumores dos lugares abandonados e da beleza dos campos de trigo.

Pousado o livro na desabrigada recordação dessa tarde, Saskia lia. Mas Saskia não lia, os signos fechavam-se aos seus olhos, os dedos teciam vozes soltas sobre as páginas brancas E a neve tomando conta de tudo...

8.3.07

in my dream you're playing with buckets of sand*



a memória enleava-se na pele de Saskia, cadência maligna embalando a memória. pensava na cidade emudecida ao bravor da peleja, Beja calando as palavras, as vozes, nem um rumor desatara a seda húmida dos lenços apertados nos punhos. e a voz que nada dissera em estremecimento na boca de Saskia queimando-lhe a boca: o que faço eu aqui se todas estas noites cresce-me aos olhos a mágoa de Sorrow pela morte do seu Lidador se trago pelo corpo a sua ausência o que faço eu aqui se cubro o rosto e as mãos não estendem o esquecimento - pensamentos na noite adormecida por sobre a neve, Saskia percorrendo as páginas do livro de Ale Laisuma e por dentro os cadernos de Sorrow gritando fios de sangue e nem havia uma melodia de estrelas secando lágrimas ou movendo o silêncio feito pedra, da noite nessa noite.





foto de katia chausheva

* Guillemots, if the world ends

2.3.07

zoran musik
venice

vinham de muito longe as vozes, enlouqueciam as vozes, parti para não ouvir a morte nos campos, murmura-se Saskia. e na cidade vazia a sombra de Sorrow esbatida em tons ocres, arroxeados, as mãos rubras de sangue as mãos rubras do amor apenas desfeito e a dor no corpo de Saskia a dor abafando o grito devorando a noite melancólica noite sobre os que vagueiam no fundo da noite. Sorrow despontando em lenda no corpo de Saskia sabendo-se longe de tão longe se sabendo.